Psicoterapia e Neurociência. Novos Horizontes.

  Vera Lemgruber*

* Presidente da APERJ, Diretora do Centro Colaborador da OMS para Pesquisa e Treinamento de Pessoal em Psicoterapia no Serviço de Psiquiatria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.

Artigo originalmente publicado nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal. Vol.97. No. 4. Out/Nov/Dez de 2003.pp-22-31.

Resumo: Pesquisas com recursos de imagem visual comprovam o efeito da psicoterapia na reformatação dos circuitos cerebrais e confirmam o paradigma da integração cérebro/mente.

Abstract: Effect of psychotherapy on brain circuits are tested by visual imagery techniques researches which also confirm the brain/mind integration paradigm.

Palavras-chave: Neurociência. Psicoterapia. Integração cérebro/mente.

Key-words: Neuroscience. Psychotherapy. Brain/Mind integration.

 Psicoterapia e Neurociência

Psicoterapia inserida no paradigma da integração cérebro/mente

                 Há uma imperiosa necessidade de se integrar o cabedal de conhecimentos a respeito da dinâmica  do funcionamento do psiquismo, obtido a partir do desenvolvimento da Psicanálise por S. Freud e seus seguidores no final do século XIX, com os dados de  pesquisas de neurociências. Novos recursos permitindo a visualização do  funcionamento do cérebro em plena atividade comprovam o conceito de plasticidade neuronal, evidenciando a possibilidade de neurogênese cerebral durante toda a vida do ser humano. Confirmando assim, com rigor científico, a hipótese teórica do modelo integrado do funcionamento cerebral:  o novo paradigma da integração  cérebro/mente deste início de século XXI.

                Adaptar novas teorias e conhecimentos e novos modelos,  nem sempre  significa substituir os antigos, mas sim ampliá-los, agregando valor. Como já  antevia  o próprio Freud, com sua inteligência impar:  “podemos esperar que a biologia nos dê as mais surpreendentes informações e não podemos imaginar quais respostas, daqui a dezenas de anos, ela dará para as questões que agora lhe fazemos. Elas podem ser de um tipo que venham a destruir toda a estrutura artificial de nossas hipóteses” ( S.Freud, “Além do Princípio do Prazer”, 1920 ).

                                                               E.  Kandel, neurocientista laureado com o prêmio Nobel por suas pesquisas na área do funcionamento bioquímico cerebral, vem  buscando  paralelos entre os achados da neurociência e os construtos hipotéticos psicanalíticos:     “… a psicanálise entra no século vinte com sua influência em declínio… a psicanálise poderia, se quisesse, facilmente deitar-se em cima de seus dados hermenêuticos. Poderia continuar a expor as extraordinárias contribuições de Freud e seus seguidores a respeito dos processos mentais inconscientes e as motivações que nos torna indivíduos tão complexos e cheios de nuances psicológicas. Certamente, no contexto destas contribuições, poucos poderiam ameaçar a posição de Freud como o grande pensador moderno sobre a motivação humana ou mesmo negar que nosso século ( sec. XX ) ficou permanentemente marcado pela profunda compreensão das questões psicológicas que historicamente ocuparam as mentes ocidentais desde Sófocles a Schnitzler. Mas se a psicanálise prefere ficar em cima de seus feitos do passado, ela permanecerá… uma filosofia da mente e uma literatura psicanalítica… que deverá ser lida como um texto filosófico moderno ou poético… Por outro lado, se o campo aspira evoluir e ativamente contribuir para uma emergente ciência da mente, então a psicanálise está bastante atrasada”. …” ( Kandel, 1999 ).

                 Já está começando a surgir um grupo independente de membros da Associação Internacional de Psicanálise motivados pelo espírito científico buscando as possíveis  correlações entre a neurociência e a psicanálise, tendo como base as obras de Freud ( Soussumi,Y.2001 ). No Brasil, provavelmente, a demora da difusão do novo  paradigma  de integração/cérebro/mente é decorrente da dificuldade de o profissional se manter atualizado com  o vertiginoso progresso em diversos setores da ciência, com as informações sendo transmitidas em tempo real e em âmbito global e, também, tem raízes na questão, salientada por A. Damásio no seu excelente livro O Erro de Descartes, de a dicotomia cartesiana ter marcado profundamente a cultura ocidental com uma  divisão entre corpo e alma, cérebro e mente:   “ … a distinção entre doenças do “cérebro” e da “mente”, entre problemas “neurológicos” e “psicológicos” ou “psiquiátricos”, constitui uma herança cultural infeliz das idéias de Descartes, que penetra até hoje na sociedade e na medicina atuais e refletiria uma ignorância básica da relação entre o cérebro e a mente “.(  Damásio, 1996 ).

             Dentro da mentalidade cartesiana que prevalecia na área psi, até bem pouco tempo atrás,  as posições costumavam ser tão antagônicas que seria quase impossível essa interpretação da psicologia clínica sob a ótica da psicobiologia : 

“… toda forma de psicoterapia, por mais material ou espiritual que possa parecer, age em tecido nervoso, alterando o padrão da comunicação neural da mesma forma que drogas psicotrópicas são capazes de alterar a atividade mental de um indivíduo (…).  Assim, o psicólogo clínico deve ter consciência que a psicoterapia tem um efeito na atividade mental do paciente graças a sua capacidade de promover uma transformação no funcionamento da atividade neural do sujeito (…). Assim, várias formas de relacionamento social, bem como a psicoterapia, alteram o funcionamento mental de um indivíduo através do seu impacto no tecido neural…” ( Landeira J. e Cruz A. 1997 ).

                 Os conceitos da informática de “hardware” e “software” podem ser utilizados para ilustrar a posição da integração cérebro/mente, já que são também tão interligados que não devem ser concebidos separadamente :  “Um especialista em hardware, num CPD, dizia que, sem suas máquinas de nada adiantariam os programas e informações que os analistas produziam e codificavam. Estes respondiam, indignados que aquelas máquinas todas seriam inúteis sem o software que lhes dá vida. Ambos têm razão. O que está errado é brigarem, disputarem primazia entre dois campos complementares, mutuamente necessários. Um não tem sentido sem o outro” (  M. Albuquerque, 1996 ). Essa analogia mostra que, de forma semelhante, do ponto de vista científico, hoje não tem mais sentido a antiga polarização cartesiana, havendo uma impossibilidade de separação entre “biológicox psicológico”, “cérebro x mente”, “corpo x alma”.

               Resultados das pesquisas genéticas dos projetos Genoma e Celera, apresentados em 2001, comprovam que os genes representam os alicerces da maioria das características humanas e indicam que a essência da humanidade está na interação dos genes com o ambiente. Sabe-se hoje  que a genética é uma condição necessária, porém não suficiente. Representa uma propensão ou uma vulnerabilidade para um destino, mas este destino pode ser alterado pelas experiências do indivíduo durante sua trajetória de vida. Já está sendo demonstrado que temperamento e caráter são variáveis parcialmente determinadas geneticamente e parcialmente modeladas pelo meio ambiente. O  ser humano nasce equipado com uma espécie de “setup” neuroquímico porém, tanto a quantidade de neuromoduladores presentes no cérebro de uma determinada pessoa quanto seu funcionamento podem ser alterados pelo meio ambiente (Spitzer & Casas, 1997).

         De acordo com a Teoria das Emoçòes  ( Tomkins, 1962,1963 ) o ser humano nasce com uma gama variada de afetos, que funciona como uma espécie de “kit de sobrevivência”  que tem por objetivo facilitar sua adaptação ao meio ambiente. Da mesma forma, um século antes, Darwin havia salientado a importância específica do papel das emoções no processo de adaptação dos homens  e dos animais ( Darwin, 1872 ). Ambas teorias estão agora sendo confirmadas pela neurociência, que vem comprovando que o ser humano apresenta um alto grau de plasticidade mental em resposta às mudanças necessárias ao seu desenvolvimento pessoal e à sua adaptação ao meio ambiente.

                   Hoje sabemos que o efeito de um processo psicoterápico eficaz assim como o comportamento e o pensamento de um individuo provocam alterações em seus  mecanismos neuroquímicos. Da mesma forma que já havia sido detectado anteriormente que a farmacoterapia leva a mudanças nos processos cognitivos e em outros aspectos psicológicos do indivíduo, agora está sendo evidenciado que as mudanças psicológicas alteram o funcionamento e a bioquímica cerebral. 

Novas  tecnologias,  incorporando  as  recentes  descobertas sobre o funcionamento do cérebro, principalmente os atuais estudos com P.E.T. Scan (Tomografia Cerebral Computadorizada por Emissão de Pósitrons) e Ressonância Magnética Funcional, permitem a visualização do cérebro em plena atividade e com um grau de precisão de medida do fluxo sangüíneo por medição das variáveis do consumo de oxigênio e da glicose, possibilitando a compreensão do funcionamento das mais diversas funções psíquicas, tanto nos indivíduos normais como nos portadores de problemas mentais. É possível analisar-se dos efeitos não só das modernas medicações psicotrópicas como também das intervenções psicoterapêuticas no funcionamento cerebral. Em 1992 foi feita a primeira pesquisa desse tipo ( Baxter et al., 1992 ) e replicada posteriormente ( Schwartz et al. 1996 ). Esses trabalhos comprovaram a eficácia tanto da psicoterapia comportamental como do tratamento farmacológico com serotoninérgicos no tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo.

Ensaios clínicos em pacientes diagnosticados com Transtorno de Estresse Pós-Traumático, após tratamento com EMDR ( Movimentos dos olhos para dessensibilização e reprocessamento ) foram realizados com avaliação pré e pós através de SPECT . Os dados de imagem visual mostraram que após tratamento com EMDR houve um aumento de metabolismo pré-frontal e diminuição de ativação do sistema límbico ( Van der Kolk, 1997).

Foi realizada uma pesquisa sobre o resultadoda psicoterapia cognitiva no tratamentode sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático ( Rauch et al., 1996 ), onde, através de medições das mudanças do fluxo sangüíneo no cérebro realizadas por meio de PET-Scan, verificou-se uma assimetria funcional com predominância de estimulação do hemisfério cerebral direito e ativação do córtex visual, juntamente com desativação da área de Broca. Tais dados corroboram a observação de que os pacientes com TEPT têm dificuldade em estruturar cognitivamente suas experiências traumáticas, tendendo a revivenciar a situação original como se estivesse ocorrendo naquele momento e a não colocar em palavras essas experiências. Após o tratamento, no qual os pacientes foram expostos a narrativas vivas e detalhadas de suas próprias experiências traumáticas, os resultados do PET-Scan revelaram um retorno ao funcionamento do fluxo sangüíneo cerebral simétrico, com ativação da área de Broca.

Um estudo usando SPECT antes e após um ano de psicoterapia psicodinâmica num paciente bipolar, com exames de imagem visual comparados com um paciente bipolar controle que não recebeu nenhum tratamento e com 10 outros sujeitos saudáveis controle, mostrou que no início ambos pacientes apresentavam diminuição do metabolismo de serotonina no córtex pré-frontal e no tálamo, em comparação com os indivíduos normais e, depois de 1 ano de psicoterapia, o paciente apresentou funcionamento serotoninérgico normal ( Viinamaki H, Kuikka J,Tiihonnen J. et al. 1998 ).

Pacientes apresentando Depressão Maior de acordo com a classificação DSM-IV foram submetidos a doze semanas de tratamento medicamentoso com anti-depressivo serotoninérgico ( paroxetina ) ou com psicoterapia interpessoal e avaliados com PET-Scan no início e no final do tratamento. Na avaliação inicial os pacientes apresentavam, em comparação ao grupo de controle de sujeitos saudáveis, um metabolismo aumentado na região do córtex pré-frontal e diminuído na região do lobo temporal. Após o período de 12 semanas de tratamento, os pacientes de ambos os grupos apresentaram mudanças metabólicas em direção à normalização nessas regiões ( Brody et al. 2001 ).

Colocando de volta  os neurônios nas neuroses

               O fato de se explicar que um processo psicoterapêutico eficaz provoca mudanças no funcionamento cerebral através de alterações entre conexões neuronais poderia ser interpretado como uma tendência do pêndulo balançar em direção à biologia. Entretanto, pelo contrário, essa situação deve ser encarada  como uma posição pró-psicologia“, já que é exatamente  através da relação interpessoal que se pode alterar as representações mentais. Precisamos colocar de volta os neurônios nas neuroses (Vaughan, S. 1997). 

              Dados de pesquisas neurocientíficas mostram  que a psicoterapia pode literalmente mudar a estrutura do cérebro através de mudanças no armazenamento de informações adquiridas durante toda a vida do indivíduo. Alterando o processo de consolidação de memória e levando a modificações persistentes na plasticidade das sinapses, o processo psicoterapêutico eficaz remodela os mapas corticais, ajudando a produzir novas representações internas do self.  A capacidade de auto-regulação afetiva é mínima ao nascimento e vai se desenvolvendo com as experiências de relacionamentos de ligação afetiva com as figuras significativas. Deficiência nesse relacionamento de afeto básico resulta em desorganização neurobiológica e dificuldades de auto-regulação interna. 

Pet Scan mostrando aumento de atividade cerebral que acompanha o crescimento, no mesmo paciente, na idade de 01 até 12 meses, feitas pelo Instituto Crump// UCLA

              Estudos sobre afeto, apego e memória mostram evidências de que o bebe está equipado com um sistema de memória funcional ao nascer e, nesse estágio de desenvolvimento, a memória está mais apta à aprendizagem implícita do que à aprendizagem explícita, A memória explícita refere-se à lembrança de fatos e acontecimentos e depende da integridade das estruturas límbicas/diencefálicas. A memória implícita refere-se a um conjunto de habilidades heterogêneas, onde a experiência  altera o comportamento sem haver acesso a qualquer conteúdo de consciência. ( Amini  F;  Lewis T; Lannon R. et al., 1996 ).   Amini et al. , e também  Kandel, apontam  para o fato de que uma nova relação de apego pode modificar a memória processual implícita através de novas experiências de relação com o terapeuta.  Foi também mostrado que a busca de um modelo neural  dos mecanismos de memória basea-se nos resultados de pesquisas que indicam “…. que o treinamento ou a experiência diferenciada leva a mudanças significativas na neuroquímica cerebral, anatomia e eletrofisiologia. Como consequência, é geralmente aceito que a psicoterapia seja uma poderosa intervenção que afeta e modifica diretamente o cérebro”  ( Liggan & Kay, 1999 ).  Usando terminologia de técnica de Psicoterapia Psicodinâmica Breve Integrada, isso se correlaciona com o conceito de Experiência Emocional Corretiva ( E.E.C.) , já que vivenciar E.E.C. representa    resignificar experiências  passadas e, assim, modificar tanto circuitos de memória explícita quanto implícita.

 Para F. Alexander, E.E.C. é o princípio central  do processo terapêutico, uma nova experiência emocional que ocorre na relação entre terapeuta e paciente. Poderia ser dito que o psicoterapeuta funciona como uma espécie de  “treinador” (coach) do paciente que tem o objetivo de, por meio de repetidas interações menos patológicas, como num progressivo treinamento, ajudar o paciente a estabelecer novas conexões neuronais mais satisfatórias em relação à sua problemática. O papel do terapeuta é o de servir de catalisador neste processo de mudança, por continuamente proporcionar E.E.C.  Desta forma, o processo de mudança psíquica poderá ocorrer também em outros relacionamentos da vida do indivíduo.  Alexander e French acreditavam que os pacientes precisavam passar por  E.E.C. não só dentro do tratamento mas também no cotidiano de sua vida. “As sessões terapêuticas podem ser consideradas como agentes catalíticos que aceleram e tornam possíveis novas relações e experiências benéficas na vida do paciente.” ( Alexander & French, 1965 ). Daí a importância que é dada ao contexto da realidade atual do paciente já que este pode servir para potencializar as E.E.C.s.  obtidas dentro do processo terapêutico. Num mecanismo de feedback positivo, as conquistas e os progressos realizados dentro da psicoterapia  resultarão, em parte, dessas experiências concretas de relações interpessoais do cotidiano da vida do paciente.

Ao mecanismo interno de potencialização dos ganhos terapêuticos de técnica focal através de repetidas E.E.C.s. denominamos de “Efeito Carambola” ( Lemgruber, 1995 ). Carambola é o termo usado no jogo de bilhar para identificar o impulso de uma tacada em uma bola, que gera movimento em uma série de outras bolas que não haviam sido diretamente atingidas pelo impacto inicial do taco e que passam a mover-se, impulsionadas pelo movimento gerado pela primeira bola.  O Efeito Carambola encontra-se fundamentado nas neurociências pois, através de experiências de reaprendizagem emocional há formação de novas redes de conexões neuronais. Com o  objetivo de promover essas experiências de reaprendizado, que levam às modificações internas no modo como o indivíduo vê a si próprio e aos outros, um importante elemento de facilitação de mudanças é a vivência de E.E.C.s  pois, a partir delas,novos trajetos para as percepções e comportamentos são refeitos, sendo então possível uma formatação biológica do domínio psicológico da ordenação e construção da experiência, levando à  reestruturação emocional interna.

  • E.E.C. / Novas conexões neuronais

As E.E.C.s. são vistas como o estabelecimento de novas conexões neuronais, construídas através de experiências de aprendizagem, o que demonstra a plasticidade neuronal do cérebro humano.

Greenfield,S. “O Cérebro Humano. Uma visita guiada”. 1997. p.105

Um dos motivos que levou o conceito de E.E.C. a permanecer no “limbo” da teoria psicodinâmica foi a reatância provocada por muitas das idéias inovadoras de F. Alexander acentuada pelo fato de que estas idéias foram apresentadas como componentes da própria técnica psicanalítica, já que ele próprio, na ocasião, propôs que seu modelo terapêutico fosse considerado como uma quinta etapa da evolução da psicanálise. É interessante  notar que esse conceito de E.E.C. criado na década de 40 por F. Alexander, foi desprezado no meio “psi” durante mais de meio século por não se adequar aos construtos hipotéticos vigentes da metapsicologia psicanalítica. Só agora, na virada do século XX  para o XXI,  é que tem seu reconhecimento e comprovação  através  de dados de pesquisas de neurociência.

O modelo integrado nas abordagens psicodinâmicas de psicoterapia breve.

Sugerimos aos interessados nas diversas abordagens de Psicoterapia Psicodinâmica Breve a leitura do livro Handbook of Short-Term Dynamic Psychotherapy.   Esse livro,  editado por Crits-Christoph e Barber, contem capítulos explicando a diversas técnicas, incluindo as tradicionais como a provocadora de ansiedade, de P. Sifneos; a de tempo limitado, de J. Mann e a psicoterapia dinâmica breve, de H. Davanloo e também abordagens mais novas como a expressiva de apoio, de L. Luborvsky; a abordagem de Vanderblit, de Binder e Strupp; a P.B. para síndromes de resposta de estresse, de M. Horowitz; a psicoterapia breve adaptativa – BAP, de S. Pollack, e a abordagem  reguladora, de L.Mc Cullough. Sugerimos também a leitura do livro Planned short-term psychotherapy.  A clinical handbook, de Bloom, B., onde, além de diversas técnicas de abordagem psicodinâmica, são também expostas técnicas de Psicoterapia Breve de abordagem cognitivo-comportamental, tais  como a psicoterapia racional-emotiva de Albert Ellis e a terapia cognitiva reestruturante de Aaron Beck, dentre outras.

O paradigma da integração cérebro/mente representa um modelo teórico novo e uma nova forma de se encarar o funcionamento do psiquismo humano com repercussões claras na prática psicoterapêutica. Dentre elas a integração de diversas técnicas mais dinâmicas e flexíveis que permitissem sua utilização conjugada ao tratamento psicofarmacológico. Antes, com base do antigo posicionamento de S. Freud de considerar o “ouro da psicanálise” versus o “cobre das psicoterapias”, quando se utilizava diferentes abordagens teóricas-práticas, a tendência era se considerar essa integração como inferior à “abordagem psicanalítica pura”, no sentido de  desvalorização e depreciação de tudo que não fosse a psicanálise propriamente dita.

O trabalho de Leigh McCullough ( 1997,2003 ), tem uma proposta de integração de várias táticas psicoterapêuticas e representa uma contribuição importante para o embasamento teórico e técnico de um posicionamento mais eclético em psicoterapia

Diferentes perspectivas teóricas integradas no  Triângulo do Conflito, de acordo com o modelo de L. McCullough.    
  • McCoullough, L. Changing Character. 1997. p. 47.

     Para  McCullough o processo de psicoterapia deve ser completado no tempo mais curto possível, levando-se em consideração a natureza do problema e a estrutura de personalidade do paciente. A duração do tratamento deverá variar de acordo com as necessidades do paciente, sempre considerando que o objetivo ótimo  é o de não haver mais sessões do que as necessárias para provocar a mudança desejada. A meta não é a de atingir todos os aspectos de mudanças estruturais, mas sim dar início ao processo e deixá-lo suficientemente estabilizado de forma que o paciente venha a continuar esse processo de crescimento nos outros relacionamentos em suas vidas.  A psicoterapia é considerada um processo de facilitação de mudanças, onde o papel do terapeuta seria mais catalisador do que analítico. Usamos muitas das propostas de McCoullogh em nosso trabalho como Centro Colaborador da OMS no Brasil para Pesquisa e Treinamento de Pessoal em Psicoterapia  que, além de apresentarcaracterísticas técnicas bem determinadas e que estão especificadas logo a seguir, está inserido dentro do paradigma da integração cérebro/mente e baseia-se na teoria neurocientífica das emoções com uma visão neo-darwiniana da capacidade de adaptação do ser humano ( Lemgruber, 1984, 1995, 1997, 2000;  Lemgruber & Stingel, 1998 e Lemgruber & Junqueira, 2002 ) .

1 – A técnica se baseia num “tripé”:   foco/atividade/E.E.C., em contraposição ao “tripé” da técnica psicanalítica: regra fundamental da associação livre/regra de abstinência/neurose de transferência.

2 – O tratamento tem duração limitada e a freqüência das consultas, via de regra,  não ultrapassa uma vez por semana.  Essas características ( menor número de consultas e  tempo de tratamento mais curto ) são importantes, ainda que representem apenas as conseqüências das características específicas da técnica.

3 – O planejamento terapêutico é elaborado a partir de uma avaliação diagnóstica  tanto nosológica como psicodinâmica do paciente. É imprescindível a avaliação prévia do caso. Uma boa anamnese com fins de estabelecimento de diagnóstico nosológico conjugado ao diagnóstico psicodinâmico facilita a compreensão das dificuldades do paciente para a formulação do foco de tratamento.

4 – Os diagnósticos nosológico e psicodinâmico têm importantes pontos em comum. O diagnóstico nosológico representaria os mesmos sintomas e padrões comportamentais que são conceitualizados como comportamentos defensivos no diagnóstico psicodinâmico. A complementaridade entre esses dois modelos diagnósticos pode ser  considerada como uma prova dos nove: se o diagnóstico nosológico não for compatível com o comportamento mal adaptado apontado como fazendo parte do Pólo da Defesa (no esquema de avaliação psicodinâmica do Triângulo do Conflito), um dos dois foi formulado erroneamente. Consideramos que esse esquema, que denominamos “prova dos nove”, como uma excelente forma de comprovação didática que possibilita o terapeuta certificar-se a respeito do encaminhamento do seu raciocínio diagnóstico e avaliação da problemática do paciente e do planejamento do processo psicoterapêutico.

5 – Há possibilidade de integração com a terapêutica psicofarmacológica, de acordo com a avaliação do caso e o diagnóstico do problema, com o objetivo de potencialização dos benefícios terapêuticos.

6 –  Algumas das táticas terapêuticas empregadas são baseadas na técnica psicanalítica  e são também empregadas outras táticas de abordagens cognitivas, comportamentais, psicodramáticas ou outras que forem consideradas importantes no objetivo de suscitar oportunidades de o paciente vivenciar E.E.C.s.e assim obter-se um resultado terapêutico em um prazo mais curto.

7 – O Triângulo do Conflito (  McCoullogh, 1997 ) é um esquema didático que serve como auxílio para a identificação dos comportamentos defensivos que estariam bloqueando sentimentos adaptativos do paciente devido a experiências de afetos inibidores  e é usado para  auxiliar a formulação do foco do tratamento .

       

O Triângulo do Conflito originou-se da psicanálise, sendo também conhecido como Triângulo Psicanalítico. Porser derivado da teoria estrutural de Freud geralmente era interpretado tomando-se a 2ª tópica de Freud como referencial sendo o Vértice dos Impulsos/ Sentimentos  identificado com os impulsos do ID, o Vértice das Defesas equiparado às barreiras erigidas pelo Ego e o Vértice da Ansiedade ao Superego.  McCoullough, ao introduzir a Teoria das Emoções, ampliou o esquema interpretativo do Triângulo do Conflito não se limitando à posição estrutural freudiana (que propunha como motivação básica os impulsos sexuais e agressivos) e  propôs um modelo com uma gama variada de reações emocionais, analisando os triângulos sob o enfoque interpessoal,  não se limitando ao enfoque intrapsíquico psicanalítico tradicional.     

                            

Conclusões

No futuro o progresso das neurociências provavelmente  poderá nos ajudar a refinar os procedimentos terapêuticos fornecendo evidências sobre os caminhos neurofisiológicos subjacentes  a determinados comportamentos disfuncionais e também para os atuais diagnósticos nosológicos que ainda são baseados somente em critérios operacionais. Entretanto, até lá contamos com a experiência da arte da prática clínica e, portanto, acima de tudo, precisamos desenvolver uma forte aliança terapêutica com nossos pacientes, já que, com embasamento científico, sabemos que isso tem, por si só, um efeito neuromodulador positivo.

Finalizando, colocamos a proposta apresentada pelo Dalai Lama a respeito do uso que poderia ser feito dos recursos da neurociência, bem como dos nossos próprios recursos internos , em prol de um mundo melhor : “E a plasticidade – a plasticidade mental? Seriam maleáveis essas emoções destrutivas às quais estamos sujeitos? Podemos diminuí-las? Se as diminuíssemos, que espécie de repercussão isso teria em toda a sociedade e na miríade de problemas que a sociedade está vivendo? Depois de levantar essa questão, se for possível formular a hipótese de que não estamos permanentemente programados e  que o nosso cérebro e a nossa mente são maleáveis e com possibilidade de crescimento, transformação e redução dessas emoções destrutivas, então, poderemos perguntar como fazê-lo”  (Dalai Lama & Daniel Goleman, 2003).

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Celio Calmon

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Sobre o Observatório da Reforma Psiquiátrica

Direito à loucura

O “Observatório da Reforma Psiquiátrica” é um site de notícias que divulga informações publicadas em diversos veículos de comunicação e nas redes sociais sobre reforma psiquiátrica e saúde mental. O Observatório está aberto à participação de todos que defendem a luta por uma sociedade sem manicômios e por tratamentos humanizados e em liberdade para pessoas em sofrimento mental.

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