O Carnaval inclusivo do Bloco do Rivotrio

Entrevista com Thiago Petra, psicólogo clínico, acompanhante terapêutico e um dos fundadores do Bloco do Rivotrio

Como surgiu a ideia da criação do Bloco do Rivotrio?

A ideia surge em 2011, com 10 a 15 pessoas do Centro de Convivência e Cultura, a Inverso.  Entrei na Inverso em 2007 e comecei a fazer uma oficina de loucura e intervenção urbana. Então, como que as pessoas ditas loucas ou com transtornos mentais poderiam intervir na cidade com a ideia de pertencimento e participação social, de mobilidade urbana, de ocupação mesmo, porque essas pessoas são excluídas. O nosso incômodo vinha do fato que tínhamos oficinas muito boas, mas que ficavam restritas ao espaço de saúde mental, seja um CAPS, seja uma clínica. Então, as oficinas ficavam muito restritas e a gente queria desinstitucionalizar, levando as atividades para a cidade. A gente começou a fazer intervenções urbanas, com estêncil, com mosaico, com lambe-lambe.  A gente tinha um processo criativo, conversava sobre o cotidiano, medicação ou política, e tinha as ideias e ia para a cidade.

Na virada de 2010 para 2011, em janeiro, uma parte do coletivo da Inverso foi para Olhos d’água, numa vila ali em Alexânia. A Eva Faleiros, que é a fundadora da Inverso, coordenou, durante quase 15 anos, o Movimento para a Saúde Mental do DF e tem uma casa lá. Em uma conversa com Terezinha Rocha, frequentadora da Inverso, pensamos em ocupar a cidade e fazer um bloco de carnaval. Levamos a ideia para os frequentadores da Inverso. Então, começou o ano e as oficinas e falamos para os frequentadores da Inverso: “Vocês topam fazer um bloco de carnaval? Como é que é a história de vocês com o carnaval?”. Muitos, a grande maioria, nunca tinham pulado o carnaval.  É isso que eu queria fazer. Tinha o fato de que eles mesmos não se sentiam seguros e à vontade em um bloco de carnaval porque eles tinham paranoia, pânico, fobia ou estavam medicados, sedados e o carnaval trazia agitação mesmo.

Outro fator era que os familiares não deixavam seus parentes participarem do carnaval com medo que acontecesse alguma coisa eles. Outros frequentadores da Inverso tinha um histórico longo de internações. A gente viu que tinha uma segregação mesmo, real, porque as pessoas não conseguiam festejar o carnaval. Aí, a gente propôs criar um ambiente propício, acolhedor, de cuidado, de atenção. Todo mundo topou. A partir daí, as oficinas encaminharam pra trabalhar as marchinhas, as fantasias, a história do carnaval. Pesquisamos os símbolos carnavalescos e criamos um estandarte com a questão do delírio, da fantasia. A pessoa que acha que é Napoleão pode ser Napoleão mesmo, que poderia também mesclar o que é delírio, o que é fantasia porque o carnaval é um grande delírio, uma grande loucura. A palavra “folie” em francês significa loucura.

Começou assim, com dez, quinze, duzentas, setecentas pessoas. Nas últimas três edições, tivemos uma média de cinco mil pessoas. Virou um bloco. Quem sabe, a própria Inverso vire um galpão e a gente vire uma escola de samba permanente. Quem sabe um dia a gente consiga fazer um carro alegórico.

Porque você deram o nome “Bloco de Rivotrio?

Acho que foi uma junção. A Terezinha pensou no nome, e aí a gente levou a sugestão para a Inverso. O Rivotrio veio forte porque era um medicamento em alta. Praticamente todos os frequentadores da Inverso tomavam o clonazepam, que é o Rivotril. Na época, o Brasil era um dos maiores consumidores de Rivotril e uma das sociedades mais ansiosas do mundo. Depois a gente viu que poderia colocar a letra “o” de trio elétrico carnavalesco.

Vocês receberam apoio da Secretaria de Cultura do DF?

Nós temos o Certificado de Agente de Cultura, o SEAC. Com esse certificado, a gente recebeu recursos quando era um bloco de pequeno porte. A Inverso funciona desde 2001. É território de saúde mental e comunidade. Tudo a ver. Então, quando o GDF desloca o desfile para o Setor Comercial Sul, muitos frequentadores da Inverso não foram, muitos tiveram crise e não se sentiram bem  nesse novo espaço.

Por que essa medida de concentrar todo o carnaval no Setor Comercial?

 É para disciplinar o carnaval, é coisa da burocracia, para setorizar. É o sistema de palco parado e a gente quer cortejo. A gente quer andar, a gente quer ocupar, a gente quer mostrar e divulgar a saúde mental.

Quando a gente fala qual o espaço que a gente vai sair, eles vetam. A gente vai sair do mesmo jeito, sem o apoio financeiro do GDF, mas a gente vai dar o nosso jeito. É rifa, é vaquinha, é projeto A gente já ganhou vários editais.  Já ganhamos o Aldir Blanc. A gente também fica muito atento aos editais e a gente sempre tem um desempenho muito bom porque a história do Rivotrio é de um bloco ativista.

A gente já teve duas experiências fora do nosso território. Uma delas foi no Setor Comercial Sul, quando a gente participou de um festival de marchinhas. O GDF abriu esse festival em 2014, com mais de 100 marchinhas inscritas e nós ficamos em terceiro lugar. As marchinhas que ficassem nos três primeiros lugares iam ser tocadas no trio elétrico do Pacotão, no início da Asa Norte

Depois, a convite da equipe do Instituto no Setor, nos deram um trio elétrico para o carnaval do Setor Comercial Sul que também não foi legal. As duas experiências modificam muito nosso território e entram outros tipos de foliões que não têm uma sintonia, um diálogo com a gente

Depois, começamos a somar com outros blocos. Um deles o bloco “Filhas da Mãe”, que é de filhas que cuidam de mães com Alzheimer, com demência. Tinha um bloco “Vencemos”, que é um bloco de pessoas com AVC. Então, começou a ter blocos em que a gente precisou trabalhar mais a acessibilidade. Então, tem que ser um espaço com rampa, com uma boa calçada, com um bom banheiro adaptado Então, a gente começou também a trabalhar não só questão antimanicomial, mas também a anticapacitista. Então, a gente migrou há três anos para 205 Norte, tendo como base o MimoBar, que tem rampa e banheiro adaptado. É um espaço amplo com acessibilidade. Devido a essa demanda do público, a gente mudou de lugar.

Vamos falar agora sobre a homenagem que vocês fizeram às mulheres no carnaval desse ano. Quem você destacaria nessa lista de homenageadas?

Nós homenageamos a Júlia, a Lorena, a Bianca, a Flora, a Dra. Nise da Silveira, Dona Ivone Lara, Estamira e Clarice Lispector, que sempre escreveu sobre a loucura. A gente homenageou as mulheres no plano nacional nesse ano porque o carnaval foi no Dia das Mulheres. Daí surgiu a ideia de escrever a história da loucura pelas mulheres do DF, as mulheres protagonistas da luta Antimanicomial, da reforma psiquiátrica de Brasília. A gente Já tinha falado das mulheres nacionalmente. Aí veio até a Juliana Pacheco, que foi uma das fundadoras da luta antimanicomial aqui no DF. Fizemos uma lista de mulheres que a gente conseguiu contactar. Foram 13 mulheres, mas a lista é muito maior. A lista vem desde Eva Faleiros, que foi realmente a protagonista, visto que a gente perdeu a Juliana Pacheco. Ela morreu muito jovem, com 40 e poucos anos. Então, a gente também pensou que era tempo e homenagear logo essas mulheres e não ficar só fazendo homenagem póstuma, esperar morrer para elogiar e homenagear Então, a gente viu que tinha muitas mulheres para homenagear, inclusive a Eva Faleiros, que tem 86 anos. Quando ela entrou, todo mundo chorou. A Eva foi a protagonista por ser a matriarca e pela importância dela na luta antimanicomial. Teve também a Karina Gussi, que é uma grande enfermeira e é também da assistência social.

Entre as homenageadas temos militantes também do campo dos usuários, dos pacientes, como a Samy, a própria Terezinha. Então, foram trabalhadoras, profissionais, pacientes, usuárias e familiares. Quase todas 13 mulheres compareceram, inclusive a deputada Erika Kokay.

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Celio Calmon

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