Por: Lara Larroyed – Psicóloga e Designer Gráfica – Para responder, vamos ter uma discussão dividida em três partes.
- Do que falamos quando falamos de drogas;
- Porque focamos na relação individual com a substância e não na substância em si;
- O contexto socioeconômico e o papel cultural das alterações de consciência;
Começaremos, então, uniformizando nossa linguagem em alguns termos-chave sobre o tema: os conceitos de drogas, violência e dependência química.
O que estamos chamando de drogas
Qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento. (OMS, 1974)
O que estamos chamando de violência
Uma reação performática como “escândalo, discussão ou bronca exagerada”, “dano ao patrimônio de moradores de um domicílio”, considerando-se dano como a quebra ou furto de objetos; agressão física ou ameaça de agressão com soco, tapa, empurrão, com uso de objetos (pedaço de madeira, bituca de cigarro, etc.), arma (faca, revólver, etc.) e a relação sexual forçada, ou sua tentativa. (OMS, 2002)
O que estamos chamando de dependência química
É um estado psíquico e algumas vezes físico resultante da interação entre uma pessoa e uma substância, caracterizado por modificações de comportamento e outras reações que sempre incluem o impulso a utilizar a substância de modo contínuo ou periódico para experimentar seus efeitos psíquicos e, algumas vezes, de evitar o desconforto da privação. Classificado como um transtorno mental e comportamental, incluído no manual Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) (OMS, 1994) e no DSM-V (APA, 2014).
Dispomos aqui deste tripé “semântico” – drogas, violência e dependência – para falar sobre o que, imaginamos, as pessoas pensam quando falamos do vício químico, mais do que uma condição de saúde, este termo é discutido e pensado sob uma ótica de segurança pública. Usar drogas significa movimentar um aparato ilegal (o tráfico) que dissemina violência pública e drena recursos do Estado. Se usar drogas é ruim, para a saúde e para a sociedade, por que as pessoas usam drogas?
Apesar da maioria de nós não entender o que leva ao consumo de uma droga pesada, por exemplo, o crack, não é difícil entender o porquê das pessoas usarem substâncias alteradoras de consciência como o álcool. Basta imaginar uma festa de final de ano. Você prefere estar nela sóbrio ou bebendo?
A droga, neste caso, o álcool, é profundamente social e interativa. O que significa que: (1) precisa de contexto e respaldo interpessoal para acontecer (é aceitável beber em festas no Brasil, mas não no tribunal), e (2) ela se caracteriza pela relação que estabelece com o indivíduo, não apenas com o efeito químico em si.
O momento que perdemos nosso poder de decisão, em que o custo-benefício entre prazer e a dor não fecha e ainda assim escolhemos consumir certas substâncias, em detrimento de nossos interesses e bem-estar, somos dependentes. (Neste artigo, não vamos diferenciar entre adição, toxicomania e dependência química por ser um passo além da discussão e que nos desviaria do foco).
Qualquer profissional de saúde ou patrocinador dos Alcoólatras Anônimos eficiente sabe que não basta atacar um composto químico genérico, mas sim aquilo que ele significa para esta pessoa que perdeu o controle. A dependência tem, sempre, uma lógica interna, não importa o quão irracional ou irregular.
Por que um alcoólatra bebe se faz mal e gera dor e mal-estar para si e para os outros à sua volta? Porque, ao mesmo tempo que a molécula etílica gera dependência a nível celular no funcionamento do organismo, beber, com todas as consequências negativas (passar mal, passar vergonha, machucar os outros, machucar a si, etc.) foi melhor do que estar sóbrio na história daquele indivíduo.
Um especialista no tema, então, sabe descentralizar a dependência no objeto de desejo para deslocar o foco para o sujeito que deseja algo representado por esta substância. Os profissionais sabem que os vícios são (1) polissêmicos, (2) ambíguos e (3) possuem interdependência complexa com o ambiente. Ou seja:
- Polissêmicos: possuem vários significados diferentes, tanto positivos quanto negativos. Exemplo: beber é bom porque me deixa mais solto, ao mesmo tempo que me faz passar vergonha.
- Ambíguos: os significados da experiência são contraditórios, não seguem uma linearidade lógica. Exemplo: ficar mais solto me faz bem, passar vergonha me faz mal, ambos são causados por beber.
- Possuem interdependência complexa com o ambiente: são alterados pelas relações estabelecidas com as outras pessoas e com as consequências. Exemplo: quando bebo entre os meus amigos, eles gostam de me ver solto e dão mais atenção ao que eu falo; quando bebo com a minha família, eles ficam apreensivos de que eu vá falar algo constrangedor e ficam desconfortáveis.
Resumindo, o que tentamos fazer acima foi explicar o “fato social total” (Mauss) do uso de substâncias, mostrando que estas moléculas não têm apenas dimensão biológica, mas também social, psicológica, moral. Elas significam coisas diferentes para pessoas diferentes. Bebemos, não para ficar bêbados somente, mas para sentirmos confiança, controle, desinibição (reforços positivo) ou para não nos sentirmos chatos, inadequados ou sofrermos as consequências de ações anteriores (reforços negativo).
Continuamos nossa discussão com o contexto socioeconômico e o papel cultural das alterações de consciência no próximo texto ABC do Vício.