Antônio Guimarães Duarte, 33 anos, é diretor da Ong Inverso, psicólogo clínico, pós-graduando em teorias psicanalíticas.
Como você conheceu e se envolveu com o trabalho da Inverso?
A Inverso é um Centro de Convivência e Cultura aqui do DF, que foi criada em 2001, a partir da assistente social Eva Faleiros, e um grupo de residentes em medicina, entre elas a Juliana Pacheco, que foi uma grande militante da área de saúde mental no DF. Infelizmente ela faleceu na época da pandemia. A Inverso surgiu um mês depois da aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica. Então, na época no DF ainda não existia a RAPS, a Rede de Atenção Psicossocial, e a Inverso entra como um Centro de Convivência, uma possibilidade de encontro, um lugar que na sua origem retoma a abordagem da psiquiatria democrática italiana, liderada pelo Franco Basaglia e Franco Rotelli, na década de 70, em Trieste. São princípios pautados na liberdade, na inclusão social, muitas vezes na via do trabalho.
A Inverso se pauta muito nos princípios da reforma psiquiátrica, na luta antimanicomial na medida em que oferece um espaço que é um lugar de encontro onde se encontram expressões diversas, múltiplas, da existência humana e das diversas estância que tecem as relações humanas. Ela se instala como um espaço possível de expressão e de comunhão no sentido de você construir laços e desenvolver projetos amplos e de você poder oferecer uma escuta, de você poder oferecer um resgate de cidadania. É um espaço onde as diferenças podem coexistir.
A Inverso passou recentemente por mudanças. Como a Inverso atua hoje?
A gente precisa voltar um pouco, para 2017, que foi quando a Eva Faleiros saiu. Ela se aposentou e era a grande líder da Inverso, uma pessoa de muita referência política e afetiva entre os frequentadores da Inverso. Com a saída da Eva, a Inverso inaugura uma nova fase de uma outra geração tomando à frente de uma inciativa que teve a sua gênese em 2001. Primeiramente quem assumiu a diretoria foi a Terezinha, a Ana Flavia e o Thiago Petra. Quando terminou essa diretoria, eu e o André Bizzi assumimos e começou a pandemia, final de 2019 para 2020 e a gente precisou fechar as portas.
A partir daí, 2 ações foram importantes. Uma foi manter as oficinas de modo online. No final de 2020, eu a Julia Cobucci fechamos um portfólio histórico da Inverso e submetemos para um edital pela Lei Aldyr Blanc para coletivos de cultura. Como a Inverso é um centro de cultura, nós conseguimos ser comtemplados com uma verba. A gente conseguir fazer uma reforma no espaço. Foi uma reforma gradual, que demorou em função da pandemia. Nós demos uma repaginada no espaço que há muitos anos estava encardido.
Reabrimos o espaço em 18 maio de 2022, no dia da luta antimanicomial. Revemos várias coisas como o nosso CNPJ, o estatuto, algumas questões financeiras e só agora a gente tá conseguindo engatar os projetos.
Como funcionam as oficinas?
Eu comecei com a oficina de inglês. Depois participei de uma oficina de intervenção urbana com o Thiago Petra, que tinha o proposito de se apropriar do território ao qual você pertence e devolver esse território pra você usufruir dele. O direito de ir e vir, o direito de intervir na cidade, a estrutura da cidade como um suporte artístico. Era uma oficina que a desenvolvia temas, criava frases juntos e a gente ia fazendo intervenções urbanas.
Depois da pandemia eu resgatei um prazer que tenho que é atuar no campo da fotografia. Aí pensei, vou fazer alguma coisa com fotografia na Inverso e levei essa técnica pra lá. No segundo semestre de 2022, eu levei a ideia de um curso de cianotipia que depois evoluiu para fotografia.
A oficina de fotografia não é fotografar por fotografar. Concluí em primeiro lugar que a fotografia não é uma coisa muito acessível. Câmeras são caras, temos a facilidade hoje de fotografar com os celulares. Mas as pessoas têm que ter celular e nem todas tem. A minha ideia então, foi viabilizar o acesso à fotografia e aos princípios da fotografia, que é gravar com a luz. A gente se encontra pra pensar o que a gente vê dentro daquela fotografia e dentro do nosso mundo interno e externo que a gente queira gravar. Gravar no sentido de compartilhar também, quer dizer, mostrar coisas.
A fotografia é um campo gigantesco, no sentido em que ela dá muitas possibilidades como mediador entre as realidades externa e a interna. Então, ela permite um solo fértil para se pensar um diálogo entre a imagem capturada e suas reverberações. A proposta da oficina não é só fotografar, mas é ter o intuito de pensar na fotografia.
Nesse sentido, a fotografia analógica nos traz recursos que nos faz pensar no tempo, no enquadramento, nos objetos, na luz. Enfim, uma série de componentes que faz com que a gente tenha um tempo de metabolização de questões internas.
Na Inverso, a gente procurar sair do campo biomédico, o campo das doenças, do CID e sim no que a cultura tem a dizer, como uma bipolaridade se manifesta no campo artístico sem tocar no tema bipolaridade e sim da expressão.
Como é que eles têm reagido ao contato com a fotografia, já que vários deles não tinham acesso a essa arte?
Qual o propósito desse contato com a fotografia, qual o intuito de fazer o que a gente faz? Nesse sentido, observo duas coisas. A primeira tem a ver com a expressão, a fotografia como a possibilidade de a pessoa expressar alguma coisa. A gente não somente fotografa, a gente também tem a escrita. A gente sai, fotografa, observa e escreve o que diz aquela foto. Por que tirou essa foto, por que escolheu esses objetos etc. A gente sempre busca ter um resultado no final do semestre. No primeiro semestre, a gente escolheu o tema sentimentos da cidade. No segundo semestre foi o tema das cores. Um dos frequentadores fotografou o lixo porque ele se vê como um lixo e o lixo tem muitas cores dos vários objetos. O exercício da escrita foi dando espaço para ele expressar esse sentimento. A expressão disso possibilita a ele ir a outros lugares. No final desse semestre, consegui fazer junto com esses frequentadores uma exposição no UniCEUB. A exposição foi um produto, um objetivo, e o frequentador, na exposição, pôde explicar as suas fotos. Ele me falou que primeiro ficou muito ansioso, mas depois ficou muito feliz de poder ser visto, de poder se explicar, trazer essa realidade para outras pessoas. Ele foi muito grato a mim por dar essa possibilidade de poder colocar isso pra fora.
Nesse semestre a gente fez um trabalho com cianotipias. A gente explorou outras linguagens, colagens coletivas. Fizemos trabalhos em tecidos e estamos vendo outras possibilidades para gerar alguma renda, tanto para as oficinas como pra eles. Nesse semestre a gente conseguiu vender peças no Encontro da Arte, que foi um evento anual realizado aqui no DF.
A Inverso estão com alguns planos para os próximos meses. Que planos são esses?
Além da oficina de fotografia, a gente tem oficina de mosaico, de colagem, de produção editorial, de música e de fala. É um espaço que está à disposição. Ele pode ser usufruído no campo da saúde mental não exclusivamente pela Inverso. É um serviço que se propõe ser de portas abertas. Por isso, temos o objetivo de não apenas integrar a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), como também fazer com que as pessoas conheçam mais esse lugar. Nesse ponto, as mídias sociais entram como um ponto essencial que a gente tem para divulgação do trabalho.
Eu preciso gravar alguns vídeos, registrar a produção de textos de como a gente trabalha, qual o contexto que a gente está inserido. Divulgar à sociedade que tem um espaço de convivência para pessoas que estão passando por momento difícil de vida, onde poderá ter um apoio importante.
A gente tem também estagiários que podem ser acionados. Muitas pessoas perguntam se a gente faz atendimento psicológico. Não, mas a gente pode servir como um articulador até um tipo de serviço ou alguma inciativa que apoie aquela pessoa que está precisando de alguma ajuda.
Mas não vamos perder o intuito da Inverso de ser um meio de transformação do espaço social. As oficinas, as artes são um meio de atingir muitas pessoas e mesmo aquelas que não estejam em sofrimento mental, podem usufruir do espaço.