Entrevista com Pedro da Costa, psicólogo, professor da UnB e coordenador do grupo Saúde Mental e Militância no DF

Como surgiu o grupo Saúde Mental e Militância no DF?

Sou coordenador do grupo, que surgiu no ano passado e ele vem sendo gestado através de uma série de interesses acadêmicos e políticos dos militantes. Eu milito em partido desde 2015 em uma corrente do Psol chamada resistência. Também já militei em Juiz de Fora, de onde vim, e desde que entrei na Unb tenho militado no sindicato, o Andes.

A pauta da saúde mental tem ficado cada vez mais central na sociedade e na militância a gente trabalha com o sofrimento mental dos membros da militância. São essas as prioridades:

 1 – Como lidar com o sofrimento psíquico dos próprios militantes.

2 – A gente tem percebido uma série de contradições na própria militância que atua no tratamento dos pacientes de sofrimento mental, aquela coisa de ficar pregando para os já iniciados em vez de trabalhar com outros grupos de não iniciados. A gente tem que trazer militantes de outros espaços para o campo da saúde mental para que não apenas o campo tradicional da luta antimanicomial, usuários, familiares e demais trabalhadores da militância fiquem com essa pauta só para si. O objetivo é trazer mais militantes de outras áreas para o campo da saúde mental.

3 – Como podemos fortalecer o campo da saúde mental como um todo. Esse é objetivo do nosso grupo.

As quatro frentes do grupo agora são: pesquisa na universidade, comunicação popular, agitação de propaganda, projeto de extensão e estágio, que atenda militantes do DF em sofrimento psíquico, que começou no ano passado. Qualquer militante que entrar em contato será atendido na universidade.

Como está hoje o trabalho de vocês no DF junto a outros movimentos?

A primeira coisa é conhecer quem está na militância, outros grupos e a partir desse conhecimento, como a gente se articula.  Daí a ideia de um levantamento nacional de todos os grupos militantes, de coletivos de saúde mental. A ideia é colocar essas informações sobre os coletivos num site que estão organizando.

No site, vocês criaram Biblioteca Juliana Pacheco. Qual o objetivo?

O objetivo é a recuperação da memória histórica do movimento de saúde mental de um modo geral e o resgate da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica no DF, dos erros e acertos dessa luta para possíveis correções e avanços. A Juliana Pacheco foi uma militante importante nessa luta.

E o Boletim Eva Faleiros?

É outra homenagem a essa grande militante, não só aqui no DF, mas nacionalmente e também pelo trabalho dela com crianças e adolescentes. A ideia do boletim é informar o que tem sido produzido no campo da saúde mental, principalmente para o pessoal da ponta (médicos, enfermeiros), que podem achar que o que a gente faz não tem resultado. O segundo objetivo é recuperar documentos e histórias que formaram essa luta da reforma psiquiátrica, não só do Brasil, mas do mundo. Planejamos imprimir o próximo boletim com uma entrevista com a Terezinha e a Eva Faleiros.

Qual a importância da Carta Manifesto da Luta Antimanicomial do DF?

A carta é a manifestação do grupo de Brasília que luta pela saúde mental sobre a atualidade e para a retomada da reforma psiquiátrica. A gente retomou o símbolo do 18 de maio (Dia Nacional da Luta Antimanicomial) e com a mudança de governo planejamos retornar o movimento com mais força. Na carta a gente faz uma análise da conjuntura no DF e concluímos que ela na média é o pior atendimento a saúde mental no Brasil. Um exemplo é a existência ilegal no Hospital São Vivente de Paulo. Só agora o GDF vai fazer residências terapêuticas e o número de Caps é absurdamente baixo. A gente aponta isso na Carta e apresenta algumas direções para mudanças. É uma tentativa de implantar mudanças contínuas no modelo atual do DF.

As comunidades terapêuticas são outra questão complicada a ser enfrentada por vocês?

Temos notícia recente de uma denúncia grave contra um delas, sobre a Ong “Salva a Si”, que é a segunda comunidade que mais recebe recursos do governo, a primeira é a “Caverna do Adulão”. A labor terapia que eles defendem eu chamo de trabalho escravo, os internos não recebem salário, é trabalho servil mesmo. Eu defendo há muito tempo que as comunidades terapêuticas são o retorno da manicomilização da saúde mental. Eu vejo em 2009, 2010 a criação de uma história de pandemia de crack, no final do governo Lula, início da Dilma, que encaram o problema de álcool droga de modo absolutamente conservador, retrógado. É a reprivatizarão das políticas de saúde mental, um retrocesso enorme da reforma psiquiátrica que vinha promovendo mudanças consistentes. É que chamamos de processo de contrarreforma psiquiátrica.

A partir de 2014, 2015, tem um grande aumento no número de comunidades terapêuticas, de modo que elas se tornaram as principais instituições de tratamento de saúde mental. As comunidades são a síntese da situação brasileira de hoje, são mistos de igreja, de religiosidade compulsória, seja qual for a religião. É um mix de prisão pois há internações por longos períodos. Eles dizem que fazem acolhimento. É mentira, é internação. É mix de igreja, de prisão, é sim um manicômio. Lá estão pessoas negras, pobres e da classe trabalhadora. O que eles chamam de laborterapia é, na verdade, trabalho análogo à escravidão. Quem coordena isso tudo aqui no DF é o Conen que privilegia as comunidades terapêuticas. Toda a verba do Fupad tem sido orientada para as comunidades.

E a divisão no governo Lula sobre as comunidades terapêuticas?

É a síntese do governo do PT, de conciliação de classe. Ele cria um departamento de saúde mental, que nunca houve e por outro lado tem o ministro de Desenvolvimento Social, Wellington Dias. A gente soube que no Piauí, o estado dele, é o que mais investe nas comunidades. Ele criou no ministério da Saúde um departamento de comunidades terapêuticas, nem o governo Bolsonaro fez. Depois eles mudaram o nome, mas continuam a mesma coisa. Essa é a síntese dos governos Lula e Dilma, de conciliação histórica de classe.

A Colmeia (Penitenciaria Feminina do DF) e o HPAP (Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo) ainda estão funcionando.

Começando pela Colmeia, que se diz uma ala de tratamento psiquiátrico, inclusive recentemente morreu um interno lá. O CNJ decidiu fechar os manicômios até o ano que vem. Nós temos uma Colônia do tipo de Barbacena ao nosso lado, que é o HPAP e tem uma lei que diz que ele não deveria existir mais. Os profissionais que estão hoje no Hpap deveriam ser direcionados para a Raps, (Rede de Atenção Psicossocial). A gente precisa ter mais Unidades de Acolhimento para recolher pessoas em vulnerabilidade social, que poderia acolher as pessoas que deveriam estar em um único CapsAD para pessoas com problema de álcool e drogas. A gente tem que fazer um plano de fechamento do Hpap com a ampliação da Raps. Essa verba das comunidades deveria ir para o fortalecimento do Raps. O Hpap tem 83 leitos psiquiátricos. O DF todo tem 100 em poucos, incluindo os do Hpap.

Compartilhe:

Celio Calmon

Autor & Blogger

Veja também:

  • All Post
  • 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental
  • A História da Loucura
  • A Reforma Psiquiátrica
  • Álcool e Drogas
  • Ansiedade e Depressão
  • Arte e Loucura
  • Blocos de Carnaval
  • Comunidades Terapêuticas
  • Entrevistas
  • Hospitais Psiquiátricos
  • Indústria da Loucura e Medicalização da Vida
  • Iniciativas Parlamentares
  • Luta Antimanicomial
  • Manicômio Judiciário
  • Personalidades da Luta Antimanicomial
  • Políticas Públicas de Saúde Mental
  • População em situação de rua
  • Psicofobia e Estigmatização
  • Saúde Mental
  • Sem Categoria
  • Transtornos Mentais
  • Vídeos

Deixe um comentário:

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sobre o Observatório da Reforma Psiquiátrica

Direito à loucura

O “Observatório da Reforma Psiquiátrica” é um site de notícias que divulga informações publicadas em diversos veículos de comunicação e nas redes sociais sobre reforma psiquiátrica e saúde mental. O Observatório está aberto à participação de todos que defendem a luta por uma sociedade sem manicômios e por tratamentos humanizados e em liberdade para pessoas em sofrimento mental.

Newsletter

FIQUE POR DENTRO

Receba novidades por e-mail

Últimos posts

  • All Post
  • 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental
  • A História da Loucura
  • A Reforma Psiquiátrica
  • Álcool e Drogas
  • Ansiedade e Depressão
  • Arte e Loucura
  • Blocos de Carnaval
  • Comunidades Terapêuticas
  • Entrevistas
  • Hospitais Psiquiátricos
  • Indústria da Loucura e Medicalização da Vida
  • Iniciativas Parlamentares
  • Luta Antimanicomial
  • Manicômio Judiciário
  • Personalidades da Luta Antimanicomial
  • Políticas Públicas de Saúde Mental
  • População em situação de rua
  • Psicofobia e Estigmatização
  • Saúde Mental
  • Sem Categoria
  • Transtornos Mentais
  • Vídeos

Instagram

Temas

Edit Template

© 2023 Observatório da Reforma Psiquiátrica  | Admin
Website por LP21